A partir da questão “a política de drogas no Brasil é eficiente?” Lobão inicia dizendo que este é mais um debate da série sobre a intervenção do estado sobre o indivíduo. “Se isto é certo ou errado, nós vamos tentar descobrir isso agora”.
O debate, realizado na última treça, 5 de maio, contou com a participação do delegado do DENARC Carlos Magno, Cristiano Maronna, advogado, NEIP, Isabel Ferreira, psicóloga da área de dependência química, Dartiu Xavier, psiquiatra, diretor do PROAD, Daniel Cordeiro, psiquiatra do UNIAD, e Marco Magri, cientista social e membro do Coletivo Marcha da Maconha.
Lobão inicia o debate percorrendo as duas mesas, que por coincidência, ou não, tinha, no braço direito: Dartiu Xavier, Marco Magri e Cristiano Maronna e no braço esquerdo: Daniel Cordeiro, Carlos Magno e Isabel Ferreira.
O delegado do DENARC foi o primeiro a falar, defendendo a lei brasileira sobre drogas, “hoje temos uma política, que trás muitos avanços”, ressaltando que as drogas continuam proibidas em todo o território, mas que o uso e a posse de drogas não pode mais punido com prisão. Acha que a mentalidade avançou, ao contrário do que pensa Lobão. Reforça que a marcha da maconha está, em tese, proibida, e justifica “se a passeata tem algo a ver com a maconha, e a maconha, como princípio ativo, é droga ilícita no país...” Mas, Sr. Delegado, não podemos nem falar do assunto?.
Em seguida, Cristiano Maronna rebate, dizendo que a proibição da Marcha da Maconha é uma atitude anti-democrática, “o direito de protestar por direitos é uma característica de qualquer democracia e isso mostra que o Brasil está na retaguarda do atraso. Enquanto no mundo inteiro essa discussão é realizada de forma franca, aberta, honesta, com base em argumentos racionais e não com base apenas na substituição da realidade pela fantasia, que é característica básica do proibicionismo, aqui no Brasil, nós temos essa situação”. Cita países como Portugal, Espanha, Itália onde já se implementou políticas que tratam da questão fora da esfera penal, veículos da imprensa, como a revista The Economist, bíblia neo-liberalista, de histórico conservador, também tratando abertamente do tema da legalização das drogas, num momento em que o sistema proibicionista completa 100 anos revelando-se um “retumbante fracasso”. “Portanto é tempo de buscar uma alternativa racional fora da proibição”.
Lobão pontua que ainda há um tabu na sociedade, em relação ao tema das drogas: “como a caça às bruxas que daqui há cem anos, vamos dizer: meu Deus, a gente estava fazendo isso!”. Passa, então, a palavra à psicóloga Isabel Ferreira, que pontua que o importante para a área da saúde é focar na dependência química e no sujeito que desenvolve essa dependência.
“A dependência é uma coisa mais ampla que a droga”, conclui Lobão, reforçando sua idéia de tabu “estão pegando a parte pelo todo”. E passa a palavra ao psiquiatra do PROAD, Dartiu Xavier que reafirma que não podemos considerar que todo usuário de drogas é, ou se tornará dependente desta droga. “Os estudos mostram que menos de 10% de quem usa maconha vai se tornar dependente uma vez na vida, algo,por exemplo comparável ao álcool. “Seria a mesma coisa você tentar fazer uma campanha para melhorar o alcoolismo, fazendo o proibicionismo do álcool”. Fala da experiência desastrosa da Lei Seca nos EUA, que foi o que fomentou toda a violência, (corrupção, Al Capone, etc), na época. Segue dizendo que “Não podemos tomar o uso da maconha como sinônimo de dependência, pois é uma minoria que tem esses danos decorrentes do uso”. “Se a gente considerar os milhões de pessoas que usam maconha no mundo, e os danos relacionados ao uso de maconha, eles são tão ínfimos, perto do universo de usuários, que ela pode ser considerada uma das drogas menos agressivas”. Conclui dizendo que não está querendo fazer apologia à maconha, reconhece que muitas pessoas têm problemas com o uso da maconha, existe dependência de maconha e que ele já tratou várias, mas que isso não quer dizer que devemos insistir na política proibicionista achando que assim vamos resolver o problema.
Lobão, brilhantemente, arremata, afirmando que devemos “abrir o espectro para poder verificar que a dependência é uma situação psíquica, que está atrelada a uma coisa muito mais profunda que as substâncias propriamente ditas” e passa a palavra ao psiquiatra da UNIAD que demonstra seus sentimentos em relação às políticas mais liberais, flexíveis, como “um frio na espinha” (olha o medo aí, gente!). Concorda com Dartiu que os dependentes, são uma menor parte, mas “é como uma roleta russa: não sabemos quem vai ficar dependente”. Lobão imediatamente rebate dizendo: “também não temos como ser capitães do destino dos outros”. Daniel continua, descrevendo a sua visão que é a do lado pior do uso de drogas, o desespero dos dependentes e de suas famílias e a falta de assistência.
Após breve e desastrosa intervenção do delegado do DENARC, dizendo que o problema da marcha é que muitas pessoas “caem ali de pára-quedas”, sem saber do que se trata e só captam a parte de apologia à drogas. Lobão corta e passa a palavra a Marco Magri, do Coletivo Marcha da Maconha, que refere que “o frio na espinha” é ver a censura atuando na Marcha da Maconha, “um movimento direcionado à mudança de uma lei, de uma política pública, que em nenhum momento, faz apologia”. Lobão intervém, dizendo que “é um assunto que é pertinente, que a sociedade tem que discutir, e há uma repressão do tabu de que não pode falar, porque é apologia”.
O programa tem que ser visto na íntegra, pois tudo o que foi discutido é de extrema relevância e os vídeos (discussão dividida em 4 blocos, aproximadamente 45 minutos), podem ser vistos no link sob o título deste post.
Aqui, não posso deixar de dar destaque às intervenções de Cristiano Marona e Dartiu Xavier, pontuando os danos causados pela criminalização/proibição, às pessoas que usam drogas e aos dependentes que também são enquadrados como traficantes, pois são pegos vendendo drogas para financiar seu consumo (diferenciação que não é clara na nova lei, que deixa a cargo do delegado e do juiz a distinção entre posse para a venda e para consumo próprio). Danos até aos pesquisadores, que encontram enormes dificuldades ao tentar estudar qualquer droga ilícita, e alguns até perseguidos judicialmente por fazer essas pesquisas ou praticar atividades de redução de danos.
Preciso ainda ressaltar as brilhantes tiradas do Lobão, deixando bem claro, o absurdo da tentativa do estado de controlar o que o indivíduo consome e o tabu (e a lei de apologia) que impede a discussão aberta do assunto.
Algumas colocações interessantes e tiradas imperdíveis:
- Daniel: "mas a pergunta é: porque as pessoas usam maconha?"
- Lobão: "porque é horrível."
- Lobão: "no Brasil, qualquer tipo de opinião sincera, as pessoas são absolutamente refratárias, dizem que você é maluco, e o assunto em si nunca se discute."
- Dartiu: "sempre falam que a maconha é porta de entrada, e eu mostrei que pode ser ,também porta de saída." (sobre seu estudo mostrando que dependentes conseguem parar de usar o crack, com o uso da maconha).
- Daniel: "o crack é o fruto direto da proibição
- Lobão: "proibir sexo, gera tarados, proibir drogas, gera drogados."
- Cristiano: “em qualquer democracia a auto-lesão não pode ser punida, o suicídio é o exemplo mais grave de auto-lesão e o indivíduo não pode ser punido por isso, assim também o consumo de qualquer substância que faça mal à saúde, não poderia ser punido.”
- Lobão: “a pena de morte para tentativa de suicídio, seria ótimo, heim?!”
- Lobão: “na imprensa inglesa, tem jornalistas, personalidades falando disso com a maior naturalidade, se eu falar deste jeito aqui, vou ser preso imediatamente!” “Temos que ficar todo polido, com o maior cuidado”. “... ele não pode nem fazer a passeata!”
- Daniel: “acho que é uma ofensa à liberdade da pessoa. Proibir, dá vontade”.
- Dartiu: “supõe-se que se houver a legalização da maconha, metade dos adolescentes vão parar de usar, pois acaba o fator transgressão.”
- Cristiano: “políticas mais repressivas, não implicam em redução da demanda”
- Lobão: “temos um número relativamente pequeno de usuários de drogas, mas somos um dos epicentros do tráfico de drogas, temos uma violência urbana terrível, tudo gerado porquê? Porque é proibido. Porque se não fosse proibido, o que que o cara ia traficar com uma AR-15, o quê? Whisky?”
- Dartiu: “os maiores interessados em manter o proibicionismo são os traficantes”.
- Daniel: “mas vai continuar existindo maconha pirata também, mais barata.”
- Cristiano: “é preciso compreender que essa idéia autoritária de uma sociedade totalmente sem crime, é uma idéia totalmente irrealizável, uma utopia, o 'preço da liberdade é o eterno delito', é preciso tolerar um certo grau de transgressão, se quisermos viver com um mínimo de liberdade.”
- Dartiu: “quando ocorre uma legalização pode haver um aumento do consumo, mas o aumento do consumo não é proporcional ao aumento do número de dependentes, por exemplo na Lei Seca americana, a proporção de dependentes não mudou.”
- Dartiu: “o usuário não deveria ser alvo de nenhuma sanção penal, ou ele precisa de tratamento, ou ele precisa ser respeitado!”
- Lobão: “a proibição da Marcha da Maconha é um tremendo vexame, pega mal, né?!”.
- Cristiano: “a discussão, no âmbito do proibicionismo, fica praticamente impossibilitada, o proibicionismo causa mais males, que os problemas que ele quer resolver.”
É impressionante que até hoje, mesmo com todos os artigos publicados no mundo todo, há pessoas que continuam afirmando, como a psicóloga Isabel Ferreira, que “é real e há dados que comprovam” que a legalização aumenta o consumo, que há um aumento geral da violência e da criminalidade e os benefícios só são para poucos. (Ou eu é que estou lendo os artigos errados?!)
E para finalizar não poderia deixar de falar das intervenções do delegado do DENARC, querendo convencer a todos que a lei brasileira é muito avançada, e que “hoje está praticamente despenalizada (a posse para o consumo), não é crime” e que o critério discricionário não é subjetivo (critério previsto na lei e usado para diferenciar posse/produção para consumo próprio e para tráfico, pelos delegados e magistrados), quando desafiado pela pergunta feita por Marco Magri do Coletivo Marcha da Maconha. Marco que, no meio de tantos especialistas no assunto, quase não teve espaço para falar da proibição da Marcha da Maconha, que foi o que levou à convocação do debate, em primeiro lugar.
Mesmo assim, a discussão sobre a política de drogas no Brasil teve um bom espaço na mídia, em raro momento onde o apresentador realmente deixou os debatedores falarem abertamente e até ajudou o debate. Pontos para a democracia!
Lobão e o MTV Debate estão de parabéns!