Por que não vêm, de novo, com o papo "a culpa é do usuário", neste caso, claro, o usuário sendo o "homem mais velho" que utiliza os "serviços sexuais" desses menores?!
Porque a "culpa" sempre tem que ser colocada na droga (objeto inanimado, mas ainda assim, diabólico, capaz de dominar pessoas e determinar seus destinos) e no usuário de drogas, que para sustentar seu vício, vai acabar espalhando AIDS e Sífilis para toda a população, ou seria só p/ aqueles "homens mais velhos"?! (o problema é q estes tb devem ter esposas, namoradas, parceiros, e assim por diante...).
De acordo com ponto de vista simplista, das autoridades brasileiras (e de muitos integrantes da sociedade), acabar com o "usuário de menores", acabaria com a exploração sexual e a consequente disseminação das DSTs. Na mesma linha de raciocínio, acabar com todos os usuários de drogas (sabe-se lá como planejam fazer isso), vai levar ao fim o tráfico de drogas no Rio (e a violência relacionada a ele), assim também, acabar com os exploradores sexuais de menores, vai interromper a disseminação de DSTs, para toda a população.
Então, por que não vão atrás desses usuários, também? Eles não merecem levar a culpa? Não estão fazendo algo ilegal e prejudicial a toda a sociedade?
Neste caso parece que a mesma lógica simplista não pode ser aplicada. Assim, utilizam uma outra, não menos simplista: o crack está levando os menores a se prostituirem.
Será?! Não seria "mais fácil" pedir dinheiro nas esquinas, roubar, assaltar? Mas por que, então, estão "escolhendo" a prostituição, mesmo com todos os riscos de se pegar doenças tão graves? Será que, ter uma grande demanda por este serviço, tem algo a ver com esta "escolha"?
Acho que isso nem passa pela cabeça das autoridades, pois se passasse, precisariam lidar com o problema, de outra forma e começar a perseguir esses "homens mais velhos". Mas como fazer isso? Diriam: "Ah, não, isso seria muito complicado, e talvez nem fosse o correto a fazer. Melhor pensarmos em outra forma. Vamos reprimir a exploração, indo atrás desses menores nas cracolândias, colocá-los em abrigos e tratamentos para afastá-los do crack de uma vez por todas e assim, os problemas serão resolvidos".
Só tem um probleminha: esses menores se "deslocam das cracolândias para o interior das favelas, onde a secretaria, sozinha, não consegue atuar" e também "os jovens têm vergonha de assumir a doença: Eles preferem recorrer à automedicação." Desta forma, mais uma vez, a culpa cai sobre o mais fraco. "Esses jovens indolentes não querem ser ajudados", diriam a seguir.
A pergunta está lançada: Por que nossas autoridades se recusam a perceber que o problema é muito mais complexo e que para achar uma solução vão precisar de muito mais que idéias simplistas de culpabilização?
Comentário publicado no blog www.marisafelicissimo.net e enviado à redação do O Dia em 10/04/09.
O Dia online 09.04.09
Cracolândias já causam surto de DSTs em menores
Focos de doenças como sífilis coincidem com pontos de venda de crack e prostituição
Bartolomeu Brito, Mahomed Saigg, Vania Cunha
Rio - A explosão do consumo do crack por crianças e adolescentes no Rio gerou um problema que está alarmando autoridades e especialistas em saúde pública: a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e Aids entre crianças e adolescentes, principamente nas ‘cracolândias’. “Pelo menos 20% dos pacientes com sífilis ou gonorreia que atendemos são crianças ou adolescentes”, diz o diretor do Centro Municipal de Saúde Oswaldo Cruz, na Av. Henrique Valadares (Centro), Paulo Roberto Machado. Região está entre os 10 pontos de maior concentração de consumidores de crack no Rio.
“A promiscuidade do dependente químico favorece a contaminação. Não há dúvida de que a exploração sexual infanto-juvenil culmina com o aumento do consumo de drogas e das DSTs”, alerta o médico José Alberto Morais, da Coordenadoria de Saúde da AP (Área Programática) 3.3, que abrange postos de saúde em 29 bairros, entre eles Madureira, Marechal Hermes, Irajá, Anchieta e Pavuna. Nessas áreas, meninos e meninas se juntam todas as noites para fumar as pedras de crack compradas por valores que vão de R$ 1 a R$ 5.
O secretário municipal de Assistência Social (SMAS), Fernando William, admitiu que a exploração sexual infanto-juvenil está atrelada ao uso de drogas, principalmente o crack. “Posso dizer que 90% dos jovens que estão nas ruas usam crack. Infelizmente, essa é uma das formas que estão usando para conseguir dinheiro e manter o vício”, revela. “Tentamos reprimir essa exploração, mas essas crianças se deslocam das cracolândias para o interior das favelas, onde a secretaria, sozinha, não consegue atuar”, completa William.
A evolução do vício de crack, denunciada por O DIA em janeiro deste ano, para um grave surto de DST e Aids não pode ser considerada um problema surpreendente no município do Rio. Em 2007, a secretaria mapeou 15 áreas da cidade onde os adolescentes vendiam seus corpos. De lá para cá, pouca coisa mudou. O DIA percorreu as regiões indicadas pelo estudo e constatou o crescimento das doenças exatamente nos locais onde a exploração sexual foi diagnosticada pela SMAS.
A Quinta da Boa Vista, onde há pelo menos uma década menores são explorados sexualmente, é um dos pontos onde hoje o problema é encontrado no Rio. Para sustentar o vício, a adolescente R., de 15 anos, contou que fugiu de casa, no Morro da Mangueira, e passou a disputar espaço nas calçadas do local com prostitutas e travestis.
“Brigava muito com minha mãe porque queria crack, mas ela não me dava dinheiro. Uma amiga me chamou para a calçada e eu fugi de casa. Estou aqui para conseguir o que quero”, disse R. que, com jeito de menina, atraía os homens mais velhos. No primeiro dia da ‘nova vida’ a garota era supervisionada de perto pela amiga.
Foi também pelo caminho das drogas que os travestis, L., 16 anos, e M., 17, passaram a ser explorados sexualmente. Assim como R., eles saíram de casa em busca de dinheiro fácil para financiar a compra de entorpecentes. “Somos viciadas em crack. Conseguimos quantas pedras o cliente quiser. Basta ele pagar para fazermos a festa”, gaba-se L., que diz já ter contraído sífilis durante um programa.
MAL OCULTO
AUTOMEDICAÇÃO
A procura por tratamento para DST/AIDS nos postos de saúde ainda é baixa. Para Maria Cristine Cardoso, diretora da Policlínica Alberto Borgerth, em Madureira, os jovens têm vergonha de assumir a doença: “Eles preferem recorrer à automedicação.”
JOVENS CONTAMINADOS
Dados da Secretaria Municipal de Saúde revelam que, de 2006 a 2008, a rede atendeu 44 jovens contaminados pelo vírus da Aids, com idade entre 13 e 19 anos.
CONSEQUÊNCIAS GRAVES
Segundo médicos, se não tratadas corretamente, doenças sexualmente transmissíveis podem provocar males cardíacos e problemas neurológicos.